Uma estudante acorda pela manhã e, mesmo sentindo
uma leve dor de cabeça, cumpre sua rotina matinal e sai para enfrentar o dia. É
apenas mais uma manhã, até que o celular toque e ela receba a notícia de um
acidente de carro que tira a vida de seus pais e faça a dela desmoronar. O dia
mau a alcançou. Não muito distante dali, um jovem executivo acompanha sua
mulher em uma ultrassonografia gestacional. O bebê estava bem, crescendo
saudavelmente, mas ao ver o médico repetir e repetir o exame, o jovem sente um
aperto em seu coração. Seguem-se alguns longos minutos de apreensão até que,
por fim, sua esposa está chorando em seus braços, quase desfalecida. Faltava
tão pouco para ter nas mãos um menino. Infelizmente, faltaram também as batidas
fortes de seu pequeno coração. O dia mau chegou.
Em outra parte do mundo, uma dedicada mãe de
família vai a uma consulta de rotina. Seus exames serão apenas revisados. Ela
não imagina que será diagnosticado um câncer em sua mama direita e que, nesse
momento, iniciará um tortuoso tratamento e uma luta para continuar a
sobreviver. Um gerente de banco recém-casado, bastante dedicado, responsável e
comprometido com os negócios da instituição, mal sabe que sua diretoria não
está satisfeita e o demitirá nessa semana, anunciando outro para seu lugar. Uma
menina sabe, pela rede social, que não tem mais namorado e que sua substituta é
uma ruivinha, de quem tantas vezes sentiu ciúmes. Enquanto ela chora e quebra
seu celular, uma bomba cai na Síria e várias famílias são despedaçadas e tragadas
pelo fogo e blocos de concreto. Assim é o dia mau. Ele não avisa. Chega quando
não esperamos por ele.
Tão importante quanto os acontecimentos, é a
maneira como lidamos, recebemos e tratamos com o que
acontece. O dia mau também chegou em minha casa e eu chorei copiosamente
enquanto, no consultório do médico, ouvia o diagnóstico sobre pessoa que mais
amo e prezo: “Não tem cura, não tem tratamento e nem como reverter esse
quadro...”. Por muitos dias eu chorei escondida no meu quarto, pensando, remoendo
e me culpando. O dia mau chegou e eu deixei que ele me mastigasse. Não foi a
melhor escolha – deixei minha esperança ser engolida. Nesse dia mau, lembrei de
Deus apenas para inquiri-lo. Perguntas e queixas sufocaram minha fé, quebraram
minhas pernas, e é difícil aceitar que o dia mal foi feito para mim também e
que não recebi um passe livre para que ele não bata em minha porta.
Lembro-me também, no entanto, de todos os outros
dias maus que vivi e me recordo bem que foi durante eles que fiz as mais sinceras
orações, ou consegui demonstrar meus verdadeiros sentimentos. Pedi perdão,
disse “eu te amo” e também cantei as músicas com maior emoção. Chorei lágrimas
sem nenhuma reserva e aprendi o valor de cada pessoa, e a escrever um texto
inteiro. Foi nos dias maus que minha escassa fé foi provada e fortalecida.
Foram dias maus que me levaram adiante, mesmo quando pedi para parar, para
sumir, para me esconder. Dias maus me forjaram, cavaram minhas sapatas,
levantaram minhas paredes e cobriram o meu teto. Dias maus nos constroem.
Nos dias bons, das leves e doces lembranças que
guardamos, vemos nossas paredes sendo coloridas, flores sendo trocadas nas
janelas e reparamos nos detalhes mimosos que decoram cada canto nosso. É
impressionante como ansiamos tanto pelos dias bons, desejamos o seu toque sutil
de cor nova e preocupamo-nos com o que falta em alguma parede, e, em
contrapartida, como nos escondemos, choramos, nos debatemos, tampamos os
ouvidos, perdemos o sono, enquanto relutamos para que sapatas, paredes e
telhados sejam levantados.
Kelly Casttro - Publicado em 26/10/2015.
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